#7 • tudo é contexto
ou tudo é (com) texto — como o julgamento precipitado obscurece a leitura do outro
Sou professora de Inglês há sete anos e uma das frases que mais repito aos meus alunos é: "tudo é contexto". A experiência em sala de aula se conectou ao meu lado poético, e juntos me fizeram perceber que essa simples — mas poderosa — frase vai muito além da diferenciação entre o sujeito you do singular e o sujeito you do plural através do contexto: ela se aplica também a situações cotidianas, como quando tentamos entender o que leva alguém a tomar certas atitudes ou ao observarmos como as gôndolas de um supermercado são estrategicamente organizadas para atrair e atender o público.
O contexto é geral; ele atravessa tudo, do início ao fim. Quem nunca foi questionado sobre “qual o contexto disso”? Quando o contexto é claro e não precisa ser examinado com calma — porque já está entregue —, a vida se torna mais fácil e mais leve de ser vivida, isso é um fato. Uma das questões está em buscar entender o contexto daquilo que não está necessariamente explícito e, portanto, exige um certo esforço e dedicação para ser compreendido.
Arrisco dizer que talvez seja por esse motivo que muitas coisas no mundo acabam sendo mal interpretadas: a curiosidade assusta. Ser curioso dá medo, já que exige de nós mesmos certos movimentos. Claro que também existe o monstro do desinteresse, mas esse é um lado ainda pior do que o que estou tentando desenvolver aqui e deixarei para discorrer sobre isso em outro momento.

No entanto, muitas vezes, ao invés de nos deixarmos guiar pela curiosidade, sucumbimos ao julgamento apressado. O julgamento é o reflexo de uma mente que evita o esforço de buscar o contexto, que se contenta com a superfície. Em vez de abraçar a complexidade, optamos pela simplicidade enganosa do rótulo rápido.
Escolher entre curiosidade e julgamento é decidir se desejamos construir pontes de compreensão ou erguer muros de incompreensão. Em vez de nos rendermos à facilidade do julgamento, deveríamos abraçar a jornada da curiosidade em descobrir o verdadeiro contexto que reside em cada ser e em cada situação — mas optamos por julgar, mesmo sem perceber. Acabamos criando uma tragédia tão perfeita que até Shakespeare ficaria boquiaberto frente à tamanha audácia.
Uma vez, um professor me disse: “tudo é texto”. Ele, sendo de Linguística, afirmava que uma pessoa, um lugar, um objeto, uma situação — tudo carrega uma carga semântica suficiente para ser lido e compreendido como um texto, mesmo que não precise de caracteres visuais para existir. Esses "textos" existem porque simplesmente são, e isso ficou marcado em mim. Quando passei a me enxergar como um texto literalmente encorpado, comecei a tomar muito mais cuidado com a escrita da minha própria história para que ela fosse lida com coerência em meu início, meio, e, espero, também em meu futuro fim.
Meus amigos linguistas talvez agora estejam felizes com o exemplo escolhido, e faço isso em respeito a quem me lê e ouve. Unir a ideia de que “tudo é texto” com a necessidade de respeitar o contexto provocou um grande boom em meu cérebro: eu sou um texto e meu contexto precisa ser respeitado — e isso não deveria valer só para mim, mas para todas as questões que atravessam o mundo, especialmente as de choque cultural e político. Os seres humanos são tão complexos que é inevitável pensar em quantos problemas poderiam ser resolvidos com mais texto em movimento: mais conversa, mais ação e mais vontade.
O esforço de entender o contexto do outro está em falta nas prateleiras do cotidiano, e acredito que investir nisso não é tão trabalhoso quanto planejar uma guerra ou criar estratégias que aumentam contendas. Em um mundo ideal, tudo poderia ser resolvido por meio de conversas genuínas, sem mensagens implícitas ou conjecturas. É com texto que se constrói o contexto, e o contexto não existe sem a história e a bagagem que carregamos.
Como apaixonada pela palavra, não poderia deixar de explorar sua raiz etimológica:

A etimologia traz a ideia da trama do tecido, e eu gosto da ideia de tecer palavras como uma costureira que, com precisão, escolhe a melhor linha e mantém a coordenação dos pontos. Da mesma forma, nossa comunicação deveria ser tecida com cuidado, escolhendo as melhores palavras e ajustando o vocabulário para garantir que a mensagem seja transmitida sem espaço para interpretações enviesadas. Digo “deveria” porque, na prática, sei que isso é quase impossível: estar atento a cada escolha de palavra pode tornar tudo artificial. O hiperfoco em si mesmo nem sempre é saudável; às vezes é melhor sentir a dor e a delícia de ser quem somos, sem medo de sermos mal interpretados.
Ao costurar a vida, alinho cada retalho com cuidado, buscando uma união harmoniosa, e eu sei que a vida não segue uma linha reta, mas, se eu puder criar uma ponte de contexto que toque positivamente o outro, assim o farei. Estou sempre tentando ser uma boa ouvinte e leitora atenta do que o outro tem a compartilhar — e já que não há nada mais valioso do que a troca, gosto de desvendar contextos para evitar julgamentos precipitados —, mas é claro que nem sempre fui assim; a maturidade me mostrou que o primeiro olhar raramente é definitivo, desafiando a ideia de que “a primeira impressão é a que fica”.
Há muitas camadas a serem exploradas, mas por agora vou me concentrar no julgamento e em como ele se insere nesse contexto de verdades distorcidas.
Qual foi a última vez que você julgou alguém? E, no fim, o que isso te disse sobre você?
O julgamento é apenas uma haste dentro do leque contextual. Ao julgarmos, acabamos revelando mais sobre nós mesmos do que sobre o outro, ou seja, por muitas vezes, o julgamento não reflete o que nos afeta diretamente, mas sim algo reprimido que reside há tempos dentro de nós.
Recentemente, em um dos episódios do podcast Gostosas Também Choram, a Lela Brandão discorreu justamente sobre isso: como o julgamento é, em última análise, uma confissão. Ao julgarmos os outros, segundo Lela, muitas vezes revelamos mais sobre nós mesmos do que sobre aqueles que estamos julgando.
A Lela é uma dessas figuras influentes da internet que eu adoraria conhecer pessoalmente para tomar um café superfaturado, sabe? Ela tem a habilidade de tratar temas profundos de maneira leve, nos convidando a refletir e a perceber que não estamos sozinhas em nossas bagunças mentais, demonstra que nenhuma experiência é única e que sempre haverá uma comunidade de mulheres dispostas a nos acolher, ouvir e entender.
Ela apresentou três contextos de julgamento:
o primeiro, quando alguém nos prejudicou de fato, e julgamos com base naquilo que ultrapassou nossos limites;
o segundo, quando julgamos sem qualquer razão, sem que a pessoa tenha feito algo que nos afete diretamente;
e o terceiro, o mais comum, quando julgamos sem sequer conhecer o outro.
Foi impossível não refletir novamente sobre a ideia de contexto, que já vinha sendo matutada na mente há algum tempo, e também sobre a frequência com que, muitas vezes, julgamos simplesmente por julgar.
Lela nos leva a refletir que o ato de julgar pode ser uma forma de buscar uma validação. Se estivéssemos realmente seguros de nossa identidade, precisaríamos dessa comparação? Teríamos tempo para ler o outro com tanta superficialidade, sem tentar entender seu contexto? Acabamos expondo nossas próprias vulnerabilidades, como se estivéssemos nus diante dos caçadores contextuais.
Se estivéssemos mais seguros de nossa identidade, talvez não buscaríamos essa validação externa. E se investíssemos mais na construção cuidadosa de nosso próprio contexto — revisando nosso início, desenvolvendo nosso meio e moldando com carinho o nosso fim —, será que ainda teríamos espaço para julgar o outro de maneira tão rasa?
Se tudo neste mundo é contexto — desde o ensino do to be até as experiências mais simples do dia a dia —, por que então nos permitimos ser analfabetos de sentimentos e desprovidos de empatia? Nada existe em um fundo em branco; até mesmo as ideias, aparentemente abstratas, só existem porque outras ideias vieram primeiro: uma respeita a ordem hierárquica da outra, e assim se dá a benção da criatividade sem fim.
É preciso levar em consideração o contexto, nunca foi tão necessário demonstrarmos interesse pela leitura interpretativa do entorno.
Proponho que ajustemos nossas lentes para enxergarmos melhor o texto que somos e direcionemos os holofotes do nosso palco para destacar a presença do outro. Contextos não apenas precisam ser vistos, mas enxergados, compreendidos com profundidade. O mundo já está repleto de autores de si mesmos; o que precisamos são leitores mais generosos do outro.
A verdadeira sabedoria está em captar as entrelinhas e compreender o contexto que dá forma a cada história, seja na sala de aula ou na Escola da Vida.
A princípio, o meu desejo nessa newsletter era escrever apenas sobre contexto (pois, como sabem, de tanto falar a frase “tudo é contexto” para os meus alunos, criei um certo carinho por ela e penso até em tatuá-la em breve, já que se aplica a tantas coisas na vida para além do ensino de línguas). Quando comecei a desenhar as minhas ideias, o processo da escrita, mais uma vez, me surpreendeu ao entregar novos eixos de análise, achei interessante, pensei “por que não?”, e assim tentei encaixá-los aqui com uma roupagem mais voltada à linguística e ao campo do estudo do texto.
Espero ter conseguido construir um sentido que o abrace, querido leitor.
Obrigada por me ler.
Luana



ahh, essa ideia de "costurar um texto" é tão bonita, né? eu amei a forma que você relacionou isso com a ideia de que somos, enquanto humanos, contextos e textos! pensar assim é um ótimo exercício pra nos lembrarmos de que somos muito mais do que um "rascunho" superficial - e os outros também!